BLOCO 5: EMERGÊNCIAS NA CRIANÇA
Introdução
As emergências na
criança apresentam algumas diferenças das do adulto, pois apresentam suas
características típicas relacionadas com o desenvolvimento anatómico e
fisiológico da criança que variam de acordo com a idade ou faixa etária
considerada.
As diferenças
maiores encontram-se nas:
• Causas das condições de emergências.
•
Sinais de emergências.
•
Colheita da anamnese.
• Equipamento usado para a gestão duma
situação de emergência.
•
Intervenções no sistema ABCDE.
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Condições e sinais de emergências na criança
Uma das grandes
diferenças está relacionada as causas da paragem cardíaca que no adulto
usualmente são o enfarte do miocárdio e/ou as arritmias (causas cardiogenas)
enquanto que na criança esta condição é secundária, na maioria dos casos à
insuficiência respiratória ou circulatória (choque circulatório).
De referir que
as condições que podem levar a insuficiência cardíaca e/ou circulatória na
criança incluem:
- • Doenças respiratórias graves e obstrução
das vias aéreas como pneumonia, bronquiolite, epiglotite,
laringotraqueobronquite, tosse convulsa e asma.
- • Sépsis.
- • Desidratação.
- • Afogamento.
- • Anafilaxia.
- • Doença cardíaca congénita descompensada.
- • Traumas e acidentes da cabeça graves.
- • Abuso de drogas (em adolescentes).
- • Hipoglicémia.
Além disso, as causas das
condições de emergências variam também de acordo com a idade da criança. Não
existem estudos feitos em Moçambique sobre as causas mais comuns de emergências
nas crianças de acordo com a faixa etária. Em geral pode-se afirmar que a
malária, as infecções respiratórias agudas, as diarreias severas, as
intoxicações exógenas (plantas medicinais, petróleo), as convulsões, abdómen
agudo (invaginação ) representam as causas mais comuns de emergências nas
crianças com idade inferior a 5 anos, enquanto as intoxicações, as queimaduras,
e os traumas cranio-encefalicos, o
estado de mal asmático, a apendicite são mais comuns nas crianças com idade
superior a 5 anos.
Em relação aos
sinais de emergência, a tabela abaixo (tabela 2) resume os sinais usualmente
encontrados e avaliados na criança.
Tabela 2: Sinais de emergência na criança
Sinais Respiratórios |
Sinais Cardiovasculares |
Sinais Neurológicos |
Paragem respiratória |
Paragem cardíaca |
Incapacidade de responder aos estímulos verbais ou
dolorosos |
Vias aéreas parcialmente o
completamente obstruídas |
Extremidades frias e húmidas, cianóticas
(sinais de baixa perfusão periférica) |
|
Estridor, retracção
costal e supraclavicular, adejo nasal |
Olhos encovados, Retorno muito lento da prega cutânea, Preenchimento
capilar prolongado> 3 segundos |
Ausência do reflexo da tosse |
Dispneia severa, Incapacidade de falar ou emitir frases completas, Uso dos músculos respiratorós acessórios |
Pulso fraco ou
ausente |
Irritação persistente
ou Letargia |
Taquipneia ou bradipneia com frequência
respiratória: o <30
c/min ou > 60 c/min de 0 a 2 meses
de vida o >50
c/min de 2 a 12 meses o >40
c/min de 1 a 5 anos |
Oligúria (< 12 ml/kg/dia ou < 0.5 ml/kg/h) |
Convulsões repetidas ou
prolongadas |
SpO2 <90% apesar de
administração de elevadas concentrações de oxigénio |
Falta de resposta da Tensão
arterial a administração EV de líquidos para a reposição do volume
circulatório |
|
Mucosas azuis (sinal de cianose central) |
Na avaliação da
criança é importante ter em consideração que os valores normais dos sinais
vitais variam de acordo com a idade (Tabela 3).
Tabela 3. Valores normais de sinais vitais em diferentes
idades
Idade |
FC b/min |
FR r/min |
TA mmHg |
Recém-nascido |
120-140 |
40-50 |
60/40 |
1 ano |
80-140 |
30-40 |
80/55 |
2-5 anos |
70-115 |
20-30 |
90/60 |
>5 anos |
70-115 |
15-20 |
100/65 |
Anamnese da criança em situação de emergência
Como no adulto,
a anamnese em situação de emergência não obedece à estrutura padrão, focando
apenas nos aspectos mais importantes para a situação em causa. Contudo há uma
diferença muito importante em relação aos adultos, ou seja o clínico recolhe a
anamnese a partir do cuidador que pode ser a mãe, ou pai, ou familiares (tia,
avó, etc), ou outras pessoas cuidadoras da criança. Isso sobretudo nos
primeiros anos de vida quando a criança ainda não consegue explicar verbalmente
as suas queixas.
A abordagem é
rápida e mais prática, colhendo apenas a informação essencial sem perder tempo
especialmente perante uma possível paragem cardiorrespiratória:
• Colher informações sobre o local do evento
como acidentes com animais, electrocussão, presença de substâncias tóxicas que
podem ter sido ingeridas, inaladas, ou de contacto, qualquer possibilidade de
ingestão de objectos e qualquer possibilidade de trauma.
• Colher dados relacionados com as queixas
apresentadas pela criança ou referidas pelo cuidador e a última refeição
tida.
• História patológica pregressa:
especialmente asma, epilepsia, diabetes, alergias, uso de drogas (nos
adolescentes), trauma craniano recente, terapias medicamentosas em curso
incluindo medicamentos tradicionais. Se for possível colher informações sobre a
história da mãe (obstétrica e doenças crónicas), as condições de nascimento
(índice de Apgar) o período neonatal e vacinas administradas.
Como no adulto,
a colheita da anamnese será completada numa segunda fase (avaliação secundária)
após a estabilização da criança (Refere-se aos PA 11-13 da Disciplina de
Pediatria para informações mais detalhadas sobre a anamnese e o exame físico na
criança).
Instrumentos e medicamentos para a gestão de uma situação de emergência na criança
Quatro pontos principais devem ser tomados em
conta:
- • A lista dos instrumentos usados no tratamento de emergência na criança difere da do adulto, pois na criança é preciso escolher itens de diferentes tamanhos (sondas, agulhas, máscaras entre outras), de acordo com a idade e/ou o tamanho da criança.
- • O equipamento deve ser organizado de
acordo com o peso e a idade da criança para permitir sua rápida identificação.
- • A lista dos medicamentos é igual a do
adulto considerando o nível de prescrição do TMG.
- • Os cálculos das doses dos medicamentos
devem ser feitos usando o peso ou a superfície corporal; alternativamente
pode-se usar a idade do paciente.
Instrumentos:
- • Oxímetro de pulso.
- • Máscaras de diferentes tamanhos para
apoiar a respiração.
- • Ventilador manual ou bolsa (Ambú).
- • Garrafa de oxigénio com tubo.
- • Esfigmomanómetro pediátrico (raramente disponível).
- • Estetoscópio
- • Colar cervical para imobilizar o pescoço.
- • Seringas de diferente tamanho (1 ml, 2 ml,
5 ml, 10 ml, 20 ml).
- • Agulhas e cateteres de diferente tamanho
(18 G, 21- 23 G).
- • Sondas nasogástricas de diferentes
tamanhos.
- • Aspirador para aspiração orofaríngea.
- • Sonda de aspiração orofaríngea.
- • Kit para infusão endovenosa.

Sistema ABCDE
A sequência de
avaliação em qualquer criança gravemente doente ou traumatizada segue o sistema
ABCDE.
- • A: avaliação da abertura das vias aéreas e manejo da obstrução quando necessário (vide PA3).
- • B: avaliação da respiração e início dos
procedimentos de ventilação artificial quando necessário (vide PA5).
- • C: avaliar se o coração está a bater e se
a criança tem os pulsos central (pulso carotídeo, braquial ou femoral de acordo
com a idade) e início da RCP quando necessário (vide PA 7).
- • Em crianças há mais outros 2 C que
significam Coma e Convulsões: o clínico deve avaliar o estado de consciência e
verificar se há coma usando a escala AVDI (vide PA 18 de emergências
neurológicas) ou convulsões (vide PA 19 de emergências neurológicas)
- • D: nas crianças significa “dehidration” ou
seja Desidratação: avaliação dos sinais de desidratação grave e seu manejo
quando necessário (vide PA 10 de emergências cardiovasculares).
- • E: Exposição da criança, retirando a roupa para pesquisar prováveis lesões. Evitar a hipotermia que na criança, principalmente as de idade inferior a 2 anos, acontece mais rapidamente do que no adulto, pois tem uma maior superfície corporal em relação ao peso (vide PA sobre Hipotermia).
O manejo das condições de emergências encontradas durante a
avaliação primária (abordagem ABCD) apresenta características específicas
relacionadas com a idade e o tamanho do paciente especialmente nas:
- • Técnicas de desobstrução das vias aéreas.
- • Frequência das insuflações na RCP.
- • Frequência das compressões cardíacas na RCP.
- • Equipamento usado (máscaras, sondas, tubos de Guedel de diferentes medidas entre outros).
- • Dosagem dos medicamentos.
Estas características são descritas nos PA 3,5,7 desta
disciplina.