BLOCO 4: EMERGENCIA NO ADULTO
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Introdução
Como foi
explicado ao longo das disciplinas tratadas nos semestres anteriores, muitas
condições patológicas podem apresentar-se como uma emergência. O TMG deve saber
reconhece-las e tratalas de acordo com as suas competências e os meios
disponíveis. O atendimento de um paciente com uma emergência pode acontecer
fora ou dentro das Unidades Sanitárias (Posto de Saúde, Centro de Saúde de tipo
1 e 2, Hospital distrital, rural, provincial, central). O tipo de equipamento,
os medicamentos e o número e tipo de pessoal de saúde disponíveis para abordar
a emergência dependerá do nível de atenção aonde o TMG trabalha.
Nesta aula,
assim como nas aulas subsequentes, as emergências no paciente adulto serão
abordadas antes das emergências na criança cuja abordagem será enfocada nos
seus aspectos específicos evitando repetições desnecessárias.
Além disso, é
preciso especificar que serão abordadas as emergências relacionadas com a
criança com idade superior a 4 semanas, enquanto as emergências relacionadas
com o recém-nascido, isto é criança com idade inferior a 4 semanas foram
abordadas na disciplina de Pediatria.
Definições
São condições de emergência as seguintes situações:
Neste ponto serão apresentadas algumas definições fundamentais para a percepção do conteúdo ao longo da aula:
• Urgência;
• Emergência
- Emergência médica;
- Emergência cirúrgica;
- Trauma.
Urgência
• Define-se urgência qualquer condição clínica, que põe potencialmente em risco a vida do paciente e requer uma avaliação prioritária (a curto prazo) e eventual tratamento imediato, para não se tornar numa emergência, isto é, para não deteriorar ou perigar a saúde ou vida do paciente.
Emergência
• Define-se emergência qualquer condição clínica de instalação súbita, aguda,
grave que põe em risco imediato a vida do paciente e requer uma avaliação
rápida e tratamento imediatos, evitando a morte. Por ex: hemorragia; paragem
cardíaca; paragem respiratória; edema agudo do pulmão e politraumatismo.
Emergência médica
• Define-se emergência médica qualquer condição clínica que exige uma
intervenção médica de imediato, com risco iminente de vida, sem ter de ser
submetida a intervenção cirúrgica. Por ex: paragem cardíaca; paragem
respiratória, acidente vascular cerebral, edema agudo do pulmão.
Emergência cirúrgica
• Define-se emergência cirúrgica qualquer condição clínica que exige uma
intervenção cirúrgica imediata, com risco iminente de vida. Por ex: hemorragia
interna (hematoma epidural, hemotórax ou hemoperitoneu); pneumotórax sob
tensão; oclusão intestinal; peritonite e politraumatismos
Trauma
• Define-se trauma uma lesão, produzida por acção violenta, de natureza externa
ao organismo. De acordo com o tipo, localização e gravidade da lesão será
necessária uma intervenção cirúrgica.
Condições e sinais de emergência no adulto
• Insuficiência
respiratória
(incapacidade do aparelho respiratório de providenciar a quantidade adequada de
oxigénio para o organismo e em particular para o cérebro e para o coração) com
dificuldade respiratória grave de qualquer natureza (DPOC, Asma, pneumotórax,
pneumonia e obstrução das vias aéreas, entre outras) até a paragem da
respiração.
• Insuficiência
cardíaca (incapacidade do
coração de manter um débito cardíaco e uma tensão arterial adequada a
necessidade do organismo) com alteração grave da função cardíaca de qualquer
natureza (enfarte do miocárdio, síndrome coronária aguda, arritmias,
pericardite constritiva, entre outras) até paragem cardíaca e consequentemente
da circulação.
• Insuficiência
circulatória com quadro
clínico de choque de qualquer natureza (hipovolemica, cardiogena, séptica e
neurogena) até paragem circulatória.
• Alteração grave do estado de consciência
até o coma.
•
Convulsões.
De acordo com a causa subjacente e a gravidade do quadro clínico, os sinais de emergência que podem ser presentes no mesmo paciente em diferentes combinações nas situações acima descritas incluem (Tabela 1):
Tabela 1
Sinais
Respiratórios |
Sinais
Cardiovasculares |
Sinais Neurológicos |
Paragem respiratória |
Paragem cardíaca |
Incapacidade de responder aos
estímulos verbais ou dolorosos |
Vias aéreas parcialmente o completamente obstruídas |
Tensão arterial sistólica <100 mmHg |
|
Estridor, retracção intercostal, respiração paradoxal
(retracção do abdómen durante a inspiração) |
Extremidades
frias e húmidas, cianóticas (sinais de escassa perfusão periférica), |
Ausência do reflexo da tosse |
Dispneia severa com incapacidade de falar ou emitir
frases completas e uso dos músculos acessórios |
Pulso fraco, <40 ou> 140bpm, |
Pontuação Escala de Coma de Glasgow < 9 |
Frequência respiratória <8 ou> 35 ciclos/min |
Oligúria ( < 500 ml/24 horas) |
Diminuição súbita do nível de consciência (> 2
pontos na escala de Coma de Glasgow) |
SpO2 <90% apesar de administração de elevadas
concentrações de oxigénio |
Fraca resposta da Tensão arterial à administração EV de
líquidos para a reposição do volume circulatório |
Convulsões
repetidas ou prolongadas |
Mucosas azuis (sinal de
cianose
central) |
O atempado
reconhecimento e manejo destas condições é necessário para corrigir a hipóxia e
a hipovolémia de maneira a reduzir o risco de dano cerebral e a morte. Em
particular, a paragem respiratória provoca hipoxia, hipercapnia e paragem
cardíaca em 5-10 minutos e a paragem cardíaca provoca perda de consciência após
10 segundos e dano cerebral irreversível após 5 minutos.
Anamnese do paciente adulto em situação de emergência
Em condições de
emergência, seja médica ou cirúrgica, é preciso agir logo para prestar cuidado
e estabilizar o paciente: não há tempo para sentar, conversar, fazer perguntas;
normalmente acontece que a recolha das informações ocorre ao mesmo tempo do
exame físico inicial (sistema ABCDE). Portanto
é difícil ou impossível para o clínico recolher a anamnese de forma ordenada e
abrangente; as informações procuradas devem ser cruciais para a estabilização
do paciente naquele momento ( vide PA 22 Disciplina de Semiologia I).
Em situações de emergência, pode acontecer que o paciente está numa
condição que não permite recolher a anamnese directamente com ele. Neste caso o
clinico deve perguntar ao acompanhante (se existir) os dados mais urgentes. As
informações serão colhidas através de perguntas curtas e objectivas.
Dependendo da
severidade da emergência, o tempo disponível (que pode ser mínimo ou
inexistente perante um paciente inconsciente e/ou com suspeita de paragem
cardio-respiratória), a possibilidade do paciente em responder às perguntas
e/ou a disponibilidade de um acompanhante, as informações essenciais colhidas
são:
• Colher informações sobre o local do evento
como: acidentes com animais, electrocussão, presença de substâncias tóxicas que
podem ter sido ingeridas, inaladas, ou de contacto e qualquer possibilidade de
trauma.
• Colher dados relacionados com as queixas
apresentadas (cefaleia, dor torácica, dor abdominal, falta de ar, palpitações
entre outros) e a última refeição.
• História patológica pregressa:
especialmente diabetes, asma, DPOC, abuso de álcool, uso de drogas (morfina,
heroína, cocaína entre outras), epilepsia, trauma craniano recente, alergias e
terapias medicamentosas em cursoAs outras componentes da anamnese
(identificação, historia familiar, pessoal e social, revisão por sistemas)
serão colhidas numa segunda fase (avaliação secundária) quando o paciente
estiver estável.
Instrumentos e medicamentos usados numa situação de emergência
Numa situação de
emergência não são muitos os medicamentos e instrumentos necessários para
estabilizar o paciente: estes devem sempre estar disponíveis, em ordem e ao
alcance do clínico (geralmente há um lugar estabelecido); deve-se controlar
regularmente a funcionalidade dos instrumentos e o prazo de validade dos
medicamentos. Uma vez utilizados devem ser repostos, prontos para uma outra
emergência.
A técnica do uso de instrumentos (que não foram abordados nas disciplinas anteriores) e a dosagem de medicamentos serão abordados nas aulas seguintes.
Instrumentos:
• Oxímetro de pulso: serve para medir a
quantidade de oxigénio no sangue e nem sempre está disponível em todos os
níveis.
• Máscaras de diferentes tamanhos para
apoiar a respiração.
• Balão de insuflação ou Ambu para conectar à máscara e apoiar a
respiração com ventilação manual.
• Garrafa de oxigénio com tubo.
•
Esfigmomanómetro.
•
Estetoscópio
• Colar cervical: para imobilizar a coluna
cervical.
• Seringas de diferentes tamanhos ( 1ml, 5
ml, 10 ml, 20 ml, 50 ml).
• Agulhas e cateteres de diferentes tamanhos
(G12, G14, G18).
•
Sonda nasogástrica (número 14 a 18).
•
Aspirador para sucção nasotraqueal.
• Sondas de aspiração (12 F,14 F,18 F).
• Equipamento de Protecção Individual (EPI):
luvas, máscaras, avental, etc.
• Kit para infusão endovenosa.
Medicamentos:
•
Diazepam em ampolas.
•
Adrenalina em ampolas.
•
Atropina em ampolas.
•
Furosemida, Aminofilina em ampolas
• Antibióticos EV: penicilina cristalizada,
ampicilina, gentamicina, cloranfenicol e ceftriaxona.
• Corticóides (prednisolona,
hidrocortisona) para uso EV Artesunato e Quinino para
uso parenteral.
•
Paracetamol EV/oral.
•
Petidina EV.
•
Soro fisiológico.
•
Lactato de Ringer.
•
Soro de glicose 5% e 10%.
•
Glucose 30% em ampolas.
•
Bicarbonato de sódio
•
Insulina rápida
Atendimento do paciente numa situação de emergência
O atendimento
inicial do paciente numa situação de emergência consiste nos seguintes passos:
• Primeiro passo: avaliação rápida do
cenário e do paciente (aplica-se somente nas emergências fora da Unidade
Sanitária).
• Segundo passo: avaliação primária do paciente (sistema ABCDE) Terceiro passo: avaliação secundária do paciente.
Primeiro Passo: Avaliação rápida do cenário e da vítima:
O que fazer na avaliação rápida:
Diante de uma
situação de emergência fora da estrutura sanitária o TMG deve fazer uma
avaliação rápida do cenário e da vítima, o que lhe vai permitir avaliar a
segurança da situação para a vítima e para o socorrista e definir as prioridades de actuação.
Especificamente,
deve verificar no local onde se encontra a vítima possíveis riscos para a
vítima e para si próprio, tais como atropelamentos, afogamento, desabamento,
electrocussão, agressão, etc.
Assim que as
condições o permitirem deve-se afastar a vítima do perigo, tendo atenção na
forma de transportar a vítima para evitar lesões futuras irreversíveis. É
importante lembrar que se o socorrista for ferido no processo de prestação de primeiros socorros, isso
contribuirá para piorar a situação.
Como se deve fazer a avaliação rápida
Observação e Diálogo
Depois de
assegurar-se das condições de segurança do cenário, o TMG deve aproximar-se da
vítima para prestar assistência.
Se for
possível, é importante delegar uma ou duas pessoas para ajudar no processo: uma
ajuda nos cuidados com a vítima (ressuscitação, estancamento de hemorragias,
etc) e outra poderá deslocar-se para chamar ajuda especializada.
Os observadores devem ser mantidos distantes da situação para possibilitar a circulação de ar.
Diálogo:
o diálogo com a vítima, dependendo do seu estado de consciência, deve ser
efectuado tomando em conta a forma de interagir com a vítima de modo a
acalmá-la e avaliá-la quanto ao nível de consciência, localização da dor,
incapacidade de movimentação do corpo ou parte dele, perda de sensibilidade em
alguma parte do corpo, etc.
Diálogo com
outras pessoas presentes é também útil para saber o que aconteceu à vítima (e
assim as possíveis lesões que podem aparecer), para identificar a presença de
possíveis perigos, e para avaliar a condição da vítima. (Por exemplo, se o
paciente estiver inconsciente podem indicar a quanto tempo é que perdeu
consciência).
Segundo passo: Avaliação primária da vítima (ABCDE)
A avaliação
primária tem como objectivo a identificação e tratamento prioritário daquelas
condições que põem em risco a vida do doente. A avaliação primária da
emergência utiliza o sistema ABCDE. A sigla ABCDE, vem do inglês, e resume os
sistemas e as acções prioritárias que devem ser feitas. Princípios fundamentais
desta abordagem são: o Osistema (ABCDE) deve ser abordado duma
forma sequencial.
o
Não
se deve passar ao sistema e prioridade sucessiva antes de ter tratado os
problemas identificados.
o
Se o
paciente deteriorar, é preciso voltar ao primeiro passo e reavaliar de novo o
paciente.
o
A
avaliação deve ser feita rapidamente (2-5 minutos) especialmente perante uma
suspeita de paragem respiratória e/ou cardíaca.
“A” Vias aéreas:
Consiste em verificar se existe uma obstrução
das vias aéreas quer pela depressão da língua quer pela presença de corpo
estranho. Caso sim, deve-se restabelecer a permeabilidade das mesmas (técnicas
de reposicionamento da língua e de remoção de corpos estranhos serão tratadas
no PA 2). Deve-se fazer movimentos controlados para evitar agravar a lesão da
coluna cervical (caso haja) e proceder com a imobilização da coluna cervical
sempre, até se excluir lesão cervical.
“B” Ventilação:
Consiste em verificar se o paciente respira, para
o efeito a técnica utilizada é baseada nas iniciais VOS: V- ver, O- ouvir e S- sentir. Ver se o tórax se expande, ouvir
se existe algum ruído de respiração, sentir na sua própria face (orelha,
bochecha) se há saída de ar da boca ou nariz da vítima. Caso não, é importante
imediatamente iniciar procedimentos de respiração artificial (técnicas de
respiração serão tratadas no PA 4).
“C” Circulação:
Consiste em verificar a presença ou ausência da
função cardíaca. Para o efeito, usa-se a avaliação do pulso central (carotídeo
ou femoral) ou periférico pulso (radial). Também pode-se tentar ouvir os
batimentos cardíacos no tórax da vítima. Caso não haja funcionamento cardíaco
deve-se iniciar procedimentos de ressuscitação cardio-pulmonar (RCP), (técnicas
de RCP serão tratadas no PA 6).
“D” Consciência:
Consiste em avaliar o nível de consciência com o
sistema AVDI (Alerta? Responde à voz? Responde à dor? Inconsciente?);
avaliar as pupilas (tamanho, simetria, reacção). Se o tempo permitir, a
avaliação do nível de consciência deve ser feito pela escala de Coma de Glasgow
(vide PA 18 de emergências neurológicas).
“E” Exposição:
Mesmo nos casos em que o paciente aparentemente não foi vítima de trauma, este, pode ter lesões internas ou escondidas. Por isso, deve-se fazer a palpação da vítima procurando lesões como: hemorragias, lacerações, fracturas ou deformidades do corpo que levantem a suspeita de fractura, coloração da pele que podem estar dissimuladas pela roupa ou pela posição da vítima. Para o efeito é necessário retirar a roupa da vítima e em certos casos quando necessário pode-se rasgar ou cortar; deve-se ter cuidado de fazer por forma a que seja possível tapar a vítima evitando a sua exposição ao frio e com potenciais riscos de hipotermia (vide PA relacionado ao atendimento da vitima com trauma)
Avaliação secundária
A avaliação secundária é feita só quando as
condições do paciente estão estabilizadas de acordo com o sistema ABCDE.
Durante a
avaliação secundária deve-se: o
Reavaliar os sinais vitais (TA, pulso, Frequência respiratória). o
Completar a colheita da anamnese. o Completar o exame físico. o
Avaliar a resposta aos medicamentos eventualmente administrados.
o
Administrar
outros eventuais medicamentos ou doses seguintes de acordo com a resposta a
primeira intervenção medicamentosa e do quadro clínico.
o
Avaliar
o aparecimento de outros sinais de comprometimento geral.
o
Em
caso de deterioração das funções vitais, recomeçar a avaliação primária pelas
vias aéreas antes de abordar a ventilação e a circulação.
A avaliação secundária vai orientar o tipo de testes laboratoriais e meios auxiliares de diagnóstico a serem pedidos para chegar ao diagnóstico definitivo ou mais provável e a conduta a seguir (tratamento, tipo de monitorização do paciente e eventual referência/transferência para níveis de atenção superiores). Os aspectos específicos da avaliação secundária para cada condição/patologia serão abordados nos Planos de aulas 8-40 desta disciplina.